domingo, 17 de abril de 2011

Teoria da Escuridão

Prólogo
(Zona sul de La Palma, Costa norte da África)

A costa oeste do imenso paredão de rocha sedimentada era a última que os pesquisadores deveriam observar naquele dia. A calma constante que existia naquele lugar era algo intrigante. Desde 1949, ano de sua última erupção, que os pesquisadores de todo o mundo vinham observando o dia a dia do grande vulcão, a fim de poder conhecer melhor sua inatividade e assim prever sua próxima erupção.
As preocupações dos cientistas residiam em La Palma, na zona sul das Ilhas Canárias, no vulcão Cumbre Vieja, que em sua última erupção gerou uma fenda considerável ao longo de um dos seus flancos, que fez com que esta parte da ilha avançasse alguns metros no Atlântico antes de parar sua trajetória.
Enquanto se mantiver inativo o vulcão não representa nenhum perigo, contudo os cientistas acreditam que o flanco oeste da ilha entrará em colapso durante uma próxima erupção. Trocando em miúdos, em qualquer momento nos próximos mil anos uma grande parte do sul de La Palma -algo em torno 500 milhões de toneladas- se derramará no Oceano Atlântico. Estudos científicos mostram que esse evento ocasionará uma onda com poder de destruição muito maior do que qualquer processo observado nos tempos modernos. Atravessará o Atlântico em poucas horas destruindo completamente a costa este dos Estados Unidos e varrendo do mapa tudo o que existe 20 km para dentro do continente. Boston seria a primeira cidade a ser atingida, depois Nova Iorque, a península de Miami e as ilhas do Caribe. Quem estivesse em um navio em alto-mar, nada perceberia, mas ao aproximar-se do Nordeste do continente americano sua potência a transformaria numa onda de mais de 40 metros de altura, devido ao atrito com o fundo raso do litoral. A tragédia seria inevitável.
No Brasil, a Ilha de Fernando de Noronha seria totalmente engolida pelas águas, depois o Litoral Nordeste com Natal e Fortaleza sendo fortemente atingida por ondas de até 50 metros de altura. O cataclisma chegaria até o litoral do Amapá, aonde as ondas chegariam ainda com 20 metros de altura. Todas as cidades do litoral brasileiro sofreriam imensamente e tudo isso ocorreria no máximo em até 9 horas depois da erupção do vulcão nas Ilhas Canárias. Daí a importância do monitoramento do vulcão pelos cientistas de todo o mundo e em especial das três Américas.
- Estou descendo o flanco oeste – Disse o eruptólogo pelo rádio.
- Tenha cuidado e nos mantenha informado. – Respondeu o operador que estava na base de comando.
- Cuidado é o que mais tenho! – Falou ele entre um sorriso.
Ele já havia perdido a conta de quantas vezes descera até a primeira laje de pedra do Cumbre Vieja para coletar amostras de solo e temperaturas. Pelo computador de mão ele podia monitoras as temperaturas dos sensores que haviam sido colocados no interior do mesmo, bem como qualquer atividade sísmica que pudesse ocorrer. O contraste de temperaturas era visível, enquanto lá fora o frio intenso os fazia usarem trajes pesados, ali já beirava os 45 graus Celsius. Ele estava a uns 50 metros dentro da grande cratera. Tudo estava calmo como sempre havia estado nos últimos anos. Após coletar os últimos dados o cientista apertou uma tecla de seu computador portátil e em segundos os dados estavam viajando para diversas bases ao redor do mundo. Era mais um dia de missão cumprida.

Capítulo 1

Com passos sempre largos o doutor Luiz Glenbel caminhava pelos corredores do Centro de Vigilância Climática da Amazônia – CVCA-. Nos últimos anos grandes cheias seguidas de grandes secas dos rios vinham tirando o sono de todos por ali. O centro mantinha em seus quadros funcionais mais de 100 cientistas doutores de todas as partes do mundo. De geólogos a engenheiros de pesca, de geógrafos a físicos e químicos. Todos unidos para entender melhor as atuais mudanças climáticas e como essas poderiam afetar ainda mais a Floresta Amazônica e todos seus biomas. Desde o ano de 2012, ano no qual o centro foi fundado, que vários cientistas tinham vindo de outros países e se juntado aos colegas brasileiros para buscar soluções e minimizar os efeitos danosos do aquecimento global e suas catástrofes.
Dr. Luiz Glenbel era geólogo formado pela Universidade Federal do Amazonas com diversos outros cursos em grandes faculdades do mundo. Com estudos na USP e UnB ele era um dos mais notáveis conhecedores do solo e peculiaridades da região norte do Brasil. Com doutorado em geoengenharia ambiental na Europa, suas publicações ganhavam o mundo e frequentemente ele era convidado para fazer palestras em faculdades e seminários. Na COP15, realizada em dezembro de 2009 na cidade de Copenhague na Dinamarca, ele alertou sobre as possibilidades de grandes desastres climáticos no Brasil e América Latina, devido o resfriamento de muitas áreas antes tropicais. Enquanto todos falavam de aquecimento e efeito estufa, era preferia falar de escurecimento global e do consequente frio que isso geraria. Os rios do norte do Brasil estavam subindo e secando cada vez mais rápido nos últimos 20 anos, dizia ele. Áreas que antes eram fartas em pescado estavam a cada ano sofrendo com secas e falta de alimentos. O solo amazônico estava ficando pobre de nutrientes e o ciclo alterado de cheia e vazante não estava sendo suficiente para devolver ao solo suas características de várzea naturalmente adubada. A produção de alimentos vegetais vinha definhando nos últimos anos e mesmo com grandes esforços esses processos não haviam dado os resultados esperados. O calor tropical que sempre foi intenso no verão amazônico vinha assustando até os caboclos mais antigos. Chuvas antes tidas como bênçãos, eram agora motivos de preocupações em muitas cidades. Alagações em locais nunca antes vistos eram comuns em muitas cidades como Manaus, Belém, Santarém, Parintins, Óbidos, dentre outras. A temperatura das águas de rios como Amazonas, Tapajós, Negro, Nhamundá, Trombetas vinham mostrando alteração de até menos 2 graus a cada 5 anos, desde 2010. Em alguns anos o Rio Amazonas avançou tanto para dentro do Rio Negro na cidade de Manaus que o encontro das águas teve deslocamento para depois da Praia de Ponta Negra. Algo inimaginável. A mesma coisa ocorrera em Santarém, onde a frente da cidade ficou totalmente banhada pelo Rio Amazonas e não pelo Tapajós. Isso de dava devido o derretimento das geleiras nas Cordilheiras dos Andes está cada vez mais alterado, o que fazia o Rio Amazonas encher além da cota nos meses de secas dos demais rios. Devido à densidade das águas barrentas do Solimões/Amazonas ele avançava sem dó dentro de seus afluentes. As palavras duras do pesquisador naquela época deixaram muitos colegas perplexos e ele tinha conquistados algumas antipatias com seu discurso, mas com o passar do tempo ele se mostrou plenamente correto. Seu posto de cientista chefe do departamento de monitoramento global do CVCA deixava muita gente com receio de que suas palavras duras fizessem as verbas sumirem. Mas devido seu prestígios junto ao governo federal e estadual, e muitas das maiores ONGs do mundo, como WWF, Greenpeace e Instituto Amazonas da Floresta –IAF-, ele se mantinha inabalado pelas críticas. Muitos hoje em dia lutavam para reverter aquilo que ele predissera no passado.

Capítulo 2
( Glaciar do Nevado, Andes Peruano )

O glaciólogo estava coletando amostras de gelo e água naquela que era uma das fontes de formação do Rio Marañón. Este ano a geleira não estava derretendo como antes e o rio já se mostrava sem força. A queda de temperatura havia mantido o clima frio mesmo no verão e o gelo não estava alimentando o grande rio como antes. Previa-se que o aquecimento global seria responsável pelo recuo dos glaciares, após a pequena idade do gelo entre 1550 a 1850, e isso ocorrei até 1940, quando os glaciares foram retrocedendo devido o aquecimento. Entre 1950 e 1980 o que se vira foi seu aumento e uma falta de derretimento maior a cada ano. De 1980 até 2015 o aquecimento fora muito forte e muitos glaciares desapareceram no Polo Norte e Sul, além de algumas cordilheiras mundo afora. Porém de 2016 em diante o arrefecimento global, previsto e defendido por poucos, inclusive pelo Dr. Luiz Glenbel, foi aumentando gradativamente. No gráfico que ele tinha em mãos, com registros de derretimento anteriores para aquele mesmo período, ele podia ver que a anotação presente era inédita e alarmante. Informações vindas de colegas diziam que Rios afluentes também estavam sofrendo com esta grande seca por falta do degelo dos glaciares, levando rios ao congelamento. Os rios Crisnejas, Chamayo, Cenepa, Santiago, Moroña, Pastaza, Huallaga e Tigre, todos no Peru, alimentavam o Marañón, que em território brasileiro virava o rio Solimões até a cidade de Manaus e de lá até a foz com o Oceano Atlântico na cidade de Belém do Pará era chamado de Rio Amazonas, nome pelo qual era mais conhecido no mundo todo. Muitos deles já estavam completamente secos.
Um estudo efetuado por glaciólogos na América do Sul, revelou outro recuo. Mais de 80% de todo o gelo glaciar nos Andes setentrionais encontra-se concentrado nos picos mais altos em pequenos glaciares com cerca de 1km² de superfície. Uma observação efetuada aos glaciares de Chacaltaya na Bolívia e Antizana no Equador entre 1992 e 1998 indica que a taxa de perda de espessura em cada um destes glaciares se situou entre 0.6 e 1.4 m por ano. Os números referentes ao glaciar de Chalcataya mostrou uma perda de 67% do seu volume e de 40% da sua espessura durante o mesmo período. Desde 1940 o glaciar de Chacaltaya perdeu cerca de 90% da sua massa e desapareceu totalmente entre 2010 e 2015.
A mistura de temperatura baixa com falta de chuvas estava fazendo o ciclo de alimentação de águas para os rios se alterar profundamente naquele ano. Ventos frios sobravam vindos do Oceano Pacífico sobre a grande geleira e o gelo que sobrara nos glaciares mantinha-se intacto. Algo reverso ao efeito do aumento de temperatura que vinha sendo notado no inicio até início do século XXI. Sem gelo derretendo o rio perdia sua principal fonte de água e ia secando rapidamente. Com seus afluentes também em grandes secas, estava se desenhando uma catástrofe como nunca antes preconizada. Era a seca fria prevista por alguns. Ele precisava mandar os dados urgentemente para seus colegas do CVCA. Ele sabia que os efeitos desta grande seca no Peru, Colômbia e Brasil seriam sem precedentes. A iminência de uma devastação era assustadora mesmo para quem vivia de dados estatísticos ambientais e climáticos como ele.
Desceu a geleira em seu veículo e ao chegar ao posto de monitoramento, montado na base da Cordilheira, ele imediatamente passou os dados para um dos computadores e os enviou para o CVCA. Em instantes os mesmos já estavam na caixa de mensagem do pesquisador chefe.

Capítulo 3
(Altos do Rio Tapajós, Estado do Mato Grosso, Brasil)

O experiente pescador estava atônito com o que via em sua frente, o rio antes cheio e com fartura de peixes havia se transformado em um filete de água gelada. O pútrido de peixes mortos era insuportável. Relatos de jornais e noticiários que ele ouvia pelo rádio diziam que em muitos outros locais da enorme Bacia Amazônica os rios estavam demasiadamente secos e frios. Alguns já haviam secado quase que totalmente, sendo possível caminhar por toda sua extensão. O Tapajós era um dos mais importantes afluentes do Rio Amazonas, nascia no Mato Grosso e seguia até a cidade de Santarém do Pará, formando em sua frente um belo encontro de águas azul-esverdeadas com as barrentas do caudaloso Amazonas. Em Santarém também ele ouvira que a situação estava caótica. O Tapajós praticamente sumira e o antes volumoso Amazonas também estava secando rapidamente a cada dia. Noticiários do mundo todo já mostravam imagens dos rios amazônicos secos e da grande tragédia que se abatia na região. O Rio Negro também estava seco ao extremo. Todos os grandes afluentes do Rio Amazonas no território brasileiro estavam sem águas e cada dia mais tomados por toneladas de peixes mortos. Uns poucos peixes eram salgados e outros levados para lagos artificial, mas estes também estavam ameaçados. A falta de água para beber e as doenças advindas com a água suja e poluídas de carniças de peixes eram outro agravador dessa calamidade natural. Aquele outubro de 2023 era algo que o mundo ainda não tinha visto.
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A imensa bacia amazônica é formada por diversos rios e igarapés. Uma infinidade de veias de água que cortam a floresta e são a base de subsistência de seus habitantes. Os rios em grande sua maioria eram navegáveis e os transportes aquáticos feitos com barcos, canoas, balsas e navios os mais pungentes de toda a região. O Amazonas era o maior rio do mundo em extensão e em volume de água. Possuia 7100 Km de curso desde seu nascimento até a foz no Oceano Atlântico. Estava presente em 46% do território brasileiro ocupando totalmente o norte e parte do centro-oeste. A economia das cidades movia-se conforme os cursos dos rios a levavam. Uma seca tão intensa como aquela que se abatia na região poderia deixar marcas profundas na vida de todos. O rio havia baixado seu volume para 28% naquele ano. Governos e entidades não governamentais de todo o planeta se reuniam para tentar achar uma solução para minimizar o impacto profundo daquela grande seca e resfriamento da região.
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Quando em finais da década de 1960, Mikhail Ivanovich Budyko, climatologista russo, trabalhava com modelos climáticos simples de equilíbrio de energia em duas dimensões enquanto investigava a refletividade do gelo, descobriu que o mecanismo de retorno gelo-albedo, criava um ciclo de retorno positivo no sistema climático. Quanto mais neve e gelo existem na superfície da Terra, maior é a quantidade de radiação solar que é refletida para o espaço, logo mais fria a Terra se torna. Outros estudos concluíram que a poluição ou uma erupção vulcânica podiam conduzir-nos rapidamente a uma nova era glacial, algo que soara absurdo demais para muitos ao redor do mundo. Resumindo, até mesmo a própria poluição causada pela queima de combustíveis fósseis poderia resfriar a terra, ao invés de aquecê-la.
Em meados da década de 1980, Atsumu Ohmura, um investigador em geografia que trabalhava no Instituto Federal Suíço de Tecnologia, descobriu que a radiação solar que atingia a superfície terrestre havia diminuído em mais de 10% ao longo das três décadas anteriores. As suas descobertas se encontravam em aparente contradição com o aquecimento global. Menos luz solar a atingir a terra deveria resultar no arrefecimento desta. Ohmura publicou as suas conclusões na obra Variação Secular da Radiação Global na Europa em 1989. A este trabalho de Ohmura seguir-se-iam outro como o de Vivii Russak e Beate Liepert. O escurecimento também foi observado por muitos estudiosos em vários locais por toda a antiga União Soviética. Foi o pesquisador Gerry Stanhill que publicou vários estudos sobre este assunto e criou a expressão escurecimento global, ainda no século XX.
O doutor Luiz Glenbel era estudioso deste tema e conhecia bem todas essas teorias, e em cima destas fez a sua própria. Ele previu na COP15 e MEX17 que o aquecimento iria somente até meados de 2015, levando as geleiras que alimentavam os rios amazônicos a ter cada vez menos gelo em suas camadas, porém a partir de 2015 o resfriamento causado pelo escurecimento global as manteria em estado de inércia glacial e estas nem aumentariam e nem fariam mais seu degelo. O sistema de alimentação de águas entraria em colapso e o frio tomaria conta de muitas áreas antes quentes do continente sul-americano. Ele a chamava de teoria da escuridão. Muitos o trataram como mais um lunático que agia na contramão da maioria para atrair atenção e conseguir recursos para o CVCA, porém agora eles viam que sua teoria estava cada dia mais correta.

Capítulo 4

Luiz Glenbel já estava em seu escritório. Os dados recebidos dos colegas que monitoravam o Cumbre Vieja não mostravam nenhuma alteração sísmica. – Ainda bem! – Pensou ele. - Uma erupção aumentaria em muito aquela catástrofe atual. Porém dados vindos de colegas de posto de monitoramento em diversos pontos da América do Sul eram estarrecedores. A grande seca fria que se abatia na região dos rios amazônico vinha sendo monitorada por sua equipe há alguns meses, mas neste momento parece que ela chegara a seu ponto crucial. Geleiras que não estavam em seu ciclo natural de derretimento nos Andes era a catástrofe que ele tanto anunciara da escuridão global. Ainda assim era uma mudança para além de todas as previsões.
O CVCA ficava localizado a margem do Rio Negro, próximo ao encontro das águas. A cena que eles viam das janelas envidraçadas de suas salas cada dia era cada vez mais desoladora. O rio havia secado ao ponto de suas areias se estenderem por quilômetros de margem a margem. E tão famoso encontro das águas havia desaparecido e o pouco de água que corria no leito ralo dos rios Amazonas e Negro tinham o aspecto de dois pequenos igarapés. O cenário que ele tanto previra em suas palestras no passado era agora uma ameaça real e mais intensa que suas palavras a tentaram fazer ser. Relatos de mortes e fome já chegavam de toda a região. As conferências sobre mudanças climáticas, COP15 e a MEX16, não deram resultados e os países continuaram a jogar monóxido de carbono nos ares e destruindo suas florestas e rios por anos. Isso levou o planeta ao colapso previsto, porém sem precedentes pensados. O escurecimento mudou o clima em todo o mundo. O Brasil que sempre fora um país livre de catástrofes naturais, começou a ser atingido por uma sequência de eventos do mais diversos. Tufões no sul e sudeste. Enchentes no nordeste. Seca e frio na Amazônia. A costa brasileira vinha sendo varrida por furacões. Um já havia atingido cidades litorâneas. Ainda não eram tão fortes, mas já davam sinal que o clima havia mudado muito. Fortaleza, Natal e Belém já haviam sentido o efeito de um furação no ano de 2025. O país antes tido como paraíso tropical era agora um celeiro de grandes desastres naturais de norte a sul e de leste a oeste. Suas plantações de soja no centro oeste haviam sumido e deixado boa parte do solo empobrecido e desértico. A floresta de mata atlântica havia sumido quase que totalmente e hoje tentativas de replantio eram devastadas por pragas de insetos e doenças. O sul enfrentava temperaturas de mais de 40 graus no verão e frio abaixo de zero no inverno. Além de cheias e secas alternadas em toda região da América Latina.
Em muitos outros países do mundo a situação não era diferente, o planeta estava mostrando ao homem a grandeza de sua dor por anos e anos de tortura e desmandos dos líderes globais, e o preço cobrado pela destruição que sofrera era a perda de muitas vidas e o fim de muitos paraísos terrestres. Alterações profundas nos ciclos de águas e de correntes marinhas, além de mudanças bruscas de formação das correntes de ar, davam ao planeta terra um ar sombrio de um paciente em leito terminal. Pelo mundo afora eram feitas ações desesperadas de salvar o que restava e talvez tentar devolver a vida como ela entes fora, mas ainda estavam longe de regredir ou de até mesmo parar os efeitos de até então. Espécies de baleias e muitos animais terrestres haviam sido extintos em apenas 15 anos. Mesmo com o esforço de muitos, a tragédia humana parecia não ter precedentes. O Tribunal de Responsabilidades Internacionais do Clima – TRIC -, fundando pela ONU em 2023 já havia condenados alguns dos ex-líderes mundiais a prisão e seus países ao pagamento de bilhões de dólares para projetos de recuperação e tentativas de salvar o pouco que restava, mas isso era apenas um paliativo para muitos.
O toque de telefone fez com que ele saísse de seus pensamentos e atendesse o pequeno e fino aparelho de grafeno.
- Senhor! Preciso que veja isso imediatamente. – Disse a ansiosa voz do outro lado da linha.
- Fale Carlos! – Respondeu ele, reconhecendo a voz e o ramal de um dos operadores de monitoramento dos satélites.
- O senhor pode vir até nossa sala agora? – Indagou ele.
- Certamente! Estarei indo em instantes. Até já! – Finalizou ele desligando.
Enquanto pegava alguns pertences na mesa, ele tentava imaginar o que poderia ter acontecido. Teria uma importante reunião logo mais com governantes de alguns estados do norte e sabia que o que ia dizer seria aterrador para muitos deles. Esperava que aquele chamado não fosse algo mais que ele precisasse ter que explicar.

Capítulo 5

A cidade de Belém no estado do Pará era a porta de saída do Rio Amazonas para o Oceano Atlântico. Antes um local de rara beleza que ao longo dos anos perdeu muito de seu brilho natural. Ruas engarrafadas e o crescimento desordenado a transformaram numa metrópole de 5 milhões de habitantes. Muito moradores que antes viviam nos interiores haviam se mudado para a capital paraense, o que contribuíra para o aumento da pobreza e para o aparecimento de novos bairros sem nenhuma infraestrutura e saneamento. Algo que sempre fora comum nas cidades brasileiras no século XX e entrou pelo XXI sem que os governos conseguissem resolver o problema. Belém era um emaranhado de prédios e carros. Muitos destes já rodando com motores limpos e catalisadores de monóxido de carbono, mas outros tantos ainda queimando combustíveis fósseis sem nenhum tratamento. As máscaras eram comuns nas pessoas e doenças tropicais matavam mais do que muitas guerras. Durante anos falou-se dos efeitos do carbono no efeito estufa e esqueceu-se dos efeitos desses no ser humano. Crianças nasciam com problemas congênitos causados pela imensa poluição e inalação de gases tóxicos pelas mães na gestação. A cortina de fumaça que cobria a cidade era uma mistura tóxica de gases e ácidos e a principal causadora do escurecimento e morte de grande parte da floresta que antes circundava aquela região. O espaço aéreo era tomado po naves de todos os modelos; das limpas as sujas. Limpas usavam propulsão gasosa e emitiam H2O em formato de vapor, mas as sujas usavam ainda combustíveis fósseis e misturas nada ecológicas. A China havia abastecido o mercado brasileiro nos últimos anos com veículos propulsados a gasolina que tinham baixo preço, mas ainda poluíam muito. Enquanto eles próprios haviam se tornado um dos países mais limpos do mundo, ainda agiam no comércio com países do ocidente sem nenhuma preocupação ambiental. Os veículos entravam ilegalmente no país e as autoridades faziam vista grossa para esse contrabando, sendo esse um elo de conivência onde o próprio homem era o mais prejudicado.
Aquela manhã parecia mais uma como todas as outras. Gente correndo de um lado para o outro e muitas outras já chegando em seus locais de trabalho. A atração maior para muitos naquele ano era apreciar a invasão das águas do Oceano Atlântico onde antes era o Rio Amazonas. Toda a frente da cidade estava agora sendo banhada com as águas salgadas e poluídas do grande oceano. As praias que se formavam eram impróprias para o banho, mas muitos se arriscavam assim mesmo. A grande maioria era afugentada pelas baixas temperaturas e preferiam apenas admirar aquele descontrole ambiental. O mercado do Ver-o-Peso, antes um grande entreposto pesqueiro, era agora apenas um ponto de visitação com poucas espécies de peixes sendo comercializadas, muitas haviam desaparecido nos últimos anos. Antes às margens da baia do Guajará, era agora batido por ondas geladas das águas do oceano com até 5 metros de altura. Um quebra-mar havia sido construído para dar proteção à construção secular, mas a cada dia a estrutura sofria mais com a força e invasão do oceano. Como ele, outros prédios antigos não aguentavam a maresia constante e muitos já haviam ruído enquanto outros eram demolidos antes que caíssem devido o alto teor de óxido em suas estruturas metálicas, causado pelo sal.
***
A pesquisadora Clara Solares estava nas margens de uma das praias nos arredores de Belém, coletando amostras de peixes mortos e de alguns mariscos antes incomum aqueles locais. O toque de telefone a fez parar por um instante. A tela surgida no canto de seu olhar, vinha de sua lente de contato feita de uma mistura de grafeno e TFT que enviava imagens diretamente na retina sem causar nenhum dado a visão.
- Oi meu amor! Bom dia! – Era o esposo que surgia na imagem.
- Estou bem e você? Como andam as coletas? – Respondeu ele.
- Fora o vento frio. Estou bem querido. E sua reunião?
- Ainda não fui. Tenho que ver umas imagens de satélites e antes decidi ligar para você. As coisas não estão nada animadoras. Por mim você já estaria aqui. – Disse ele franzindo a testa.
- Sei! – Disse ela o interrompendo. – Bateu saudades de mim é? – O belo sorriso na tela do aparelho do cientista o fez sorrir de volta.
- Claro que sim! Afinal somos recém casados separados pelo ofício do trabalho. – Disse ele ainda sorridente.
- Sim, mas logo-logo poderemos fazer aquela viagem. Já consultei alguns pacotes interessantes. – Falou ela.
- Espero que sim e tenha cuidado por ai. Preciso ver algumas imagens agora. Beijos e volte logo. – Finalizou ele recebendo de volta uma aceno de mão e um beijo.
A pesquisadora antes de continuar seu trabalho arrumou as mangas de sua blusa, pois o frio e o vento salgado a estavam incomodando naquele dia atípico de verão amazônico.

Capítulo 6
Mal desligou o celular e Luiz Glenbel já estava entrando na sala de monitoramento de imagens e vídeos de satélites do CVCA.
- Bom dia! Disse ele sendo recebido pelo agente de pesquisa Carlos.
- Bom dia senhor! Preciso que me ajude em algo.
- Pois não! – Respondeu ele já se dirigindo para frente do enorme telão da estação de monitoramento.
- Veja estas imagens de ontem e de hoje na costa paraense. – Falou o agente.
- São estranhas mesmo! – Respondeu o Dr. Luiz, como muitos o chamavam ali no centro de vigilância. – O que pode me dizer delas? Num é o que estou pensando é? – Quis saber ele já com o tom de voz demonstrando sua grande preocupação.
- Infelizmente senhor não é nada animador o que tenho pra falar. Eu e minha equipe estamos desde a madrugada olhando essas formações. Se ambas se encontrarem poderemos ter um furação de enorme proporção avançando sobre a cidade de Belém nas próximas horas. – Disse ele num só fôlego. – Algo como categoria 6 ou 7. - Completou dando de ombros e soltando o resto de ar dos pulmões.
As imagens que apareciam na tela eram de duas grandes massas de ar viajando rumo à costa. Uma extremamente fria que se movia lentamente e era a causa da queda brusca de temperatura na capital paraense nos últimos dias, e outra que vinha do centro do Oceano Atlântico, com ar extremamente quente e que estava absorvendo grande quantidade da água do mar. O Encontro dessas duas massas seria o cenário ideal para formação de um colossal furacão.
- Qual a possibilidade que essas massas não se cruzem? – Perguntou ele.
- Pelos cálculos que fizemos senhor, na velocidade que ambas se deslocam, a massa de ar quente deverá colidir com a de ar frio nas próximas 3 a 5 horas. – Falou o agente Carlos sob o olhar atento de todos para a simulação que aparecia na enorme tela. – Não encontramos ainda uma possibilidade que isso não ocorra, mas estamos trabalhando nisso. Também já estamos em contato com a NASA que está tentando nos liberar uso de um dos espelhos espaciais na massa fria. – Finalizou ele
Diante do espanto de quase todos na sala um dos outros observadores fez uma observação:
- Senhor! Estamos a meses tendo somente formações frias de ar nesta região. Esta massa quente vai contra tudo que previmos. – Disse ele. – Não creio que ela possa ser perigosa. Poderá se desfazer tão rapidamente, assim como surgiu.
- Muito bem! E em que baseia seu pensamento? – Indagou o doutor sem esconder sua curiosidade.
- Senhor! Não há como ela se manter alimentada de calor nessa região. Ainda não sabemos o que a alimenta, mas creio quem em menos de duas horas ela possa se esvair. – Conclui ele.
Se você acredita nisso, nos faça também acreditar. – Disse ele sendo bastante contundente. – Tentem encontrar a fonte de calor dessa formação imediatamente e mantenham me informado! Ponham esses dados em meu lap top. Levarei os mesmos para minha reunião. Avisem o centro em Belém desse perigo iminente agora mesmo. Peça para entrarem em contato com minha esposa e digam para ela retornar imediatamente para Manaus. – Falou ele tentando em vão ligar para o celular de Clara. – Coloquem o general Diogo Antunes em contato comigo agora mesmo, estou indo para a reunião com os governadores. Nada disso deve vazar para a imprensa nesse momento. Fui claro? – Indagou ele olhando ao redor.
Sim senhor! Faremos isso agora mesmo!
Terminando de falar ele saiu apresado pelos corredores do grande prédio, enquanto os homens da sala ficavam debruçados sobre seus terminais e muitos outros já pegavam seus aparelhos telefônicos e começavam a fazer ligações para diversos locais.

Capítulo 7

O oficial caminhava apressado pelo corredor A do Centro de Evacuação e Defesa Civil do Estado do Pará –CEDCEP- com sede nos arredores da capital Belém. Em suas mãos um aparelho celular por onde minutos atrás ele recebera informações nada animadoras de algo que eles já estavam prevendo. Algumas pessoas em trajes militares o seguiam no mesmo passo. Chegaram num pequeno auditório onde várias outras pessoas se encontravam. Seguiram direto para o pequeno palco e pelo microfone o oficial chefe deu bom dia ao grupo ali presente.
- Senhores, para quem ainda não me conhece sou o General Diogo Antunes, chefe dessa unidade. Há vários dias estamos monitorando a mudança de temperatura que se abateu sobre a nossa capital e cidades circunvizinhas nesta semana com apoio do CVCA. – A pausa feita por ele pra beber um gole de água foi seguida por um silêncio fúnebre dos atentos ouvintes. – Há poucos minutos recebemos a confirmação de algo que estávamos também monitorando deste ontem. Como os senhores podem ver no telão acima de mim. – Um enorme telão foi baixado do teto e neste as imagens de algumas formações climáticas foram projetadas. – A figura A é de uma frente fria que está quase estacionária a 210Km de nossa costa. Ela é causadora do frio de 12Cº que estamos tendo neste exato momento. A imagem B é outra formação, situada a 560km da primeira, formada por ventos quentes e úmidos de +/-29Cº e que surgiu nas últimas 48 horas e não para de avançar. A formação citada move-se a velocidade inconstante de 90 a 110Km por hora. A esta velocidade as duas massas de ar deverão se chocar a alguns quilômetros de nossa costa oceânica e poderão formar um furacão 20 vezes mais destruidor do que o que tivemos em 2025. – Disse ele apontando para a tela atrás de si onde uma simulação assustava a todos.
O silêncio de antes foi tomado por uma dezena de conversas paralelas e pelo espanto geral de quase todos os presentes. O general, tomando de volta a palavra e batendo com a mão no microfone para ter de volta a atenção de todos, continuou:
- Já evacuamos todas nossa costa. Barcos, navios mercantes, petroleiros, balsas enfim, todos foram avisados ainda na noite de ontem e neste momento apenas duas fragatas de monitoramento se encontram nesta área nos mandando informações. São com estas informações que estamos trabalhando. – Imagens ao vivo de ambas as formações sugiram na tela enquanto uma linha era traçada para mostrar a localização e a distância entre estas e destas com o litoral. – Nosso trabalho a partir de agora será evacuar o maior número de pessoas de nossas cidades na trajetória dessa provável colisão de massas, orientaremos a população a seguir no rumo centro oeste. Todas as autoridades, artistas, clérigos, e demais pessoas influentes de nossa capital já estão de sobre aviso e deverão ser informadas logo após essa reunião que deverão agir conforme antes orientados. Cidades as margens do Rio Amazonas, que também já estavam de prontidão, deverão agir da mesma forma e seu povo removido de acordo com nossos códigos de evacuação.
Mais uma pausa foi feita e um novo murmurar pode ser ouvido vindo de todos os lados dentro da sala. Ele continuou:
- Recebemos estas informações do Dr. Luiz Glenbel, de quem não preciso falar as atribuições, pois os senhores o conhecem muito bem, é o famoso autor da polêmica teoria da escuridão. Ele me pediu urgência nessa questão e é assim que vamos tratá-la. Nosso governador está em Manaus e neste instante devem estar recebendo as mesmas informações do próprio Luiz Glenbel. Os canais de TV já estão recebendo material de orientação, bem como rádios e sistemas de som em toda região. Como não sabemos ainda o poder da provável devastação que teremos, iremos agir em código zero. Obrigado pela atenção de todos! – Disse ele finalizando e saindo mesmo antes que alguém pudesse fazer alguma pergunta.
Código Zero era um dos três existentes no sistema de defesa civil nacional. Era o de mais alto risco. Evacuação total e imediata em no máximo seis horas a partir do primeiro alerta de ativação.
Todos ficaram sobre um murmurar constante e apavorado. Ligações para todos os lados eram feitas. Em poucos instantes as imagens do alerta estavam nas emissoras de TV e nas rádios, e muitas pessoas estavam atônitas paradas diante destes sem saber exatamente o que fazer e como agir, paralisadas pelas imagens da simulação dos eventos que poderiam ocorrer em algumas horas, e que eram mostradas repetidamente em todos os plantões jornalísticos locais e nacionais.